quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Procurando Firme - Ruth Rocha

“Uma história que parece história de fadas mas não é.
Também parece história para criança pequena mas não é.”

            Esse livro conta com muito bom humor e ironia a história de uma princesa criada para ficar no castelo à espera do seu príncipe encantado que viria resgatá-la. Mas quando o príncipe chega, ela não gosta dele. Cansada dessa vida a princesa decide tomar o mesmo rumo que o príncipe, seu irmão, e sair pelo mundo. É um livro muito divertido que vai agradar às crianças e a todos os que se interessam pela literatura infantil.
            Ele possui três edições: a primeira é de 1984 (ed. Nova Fronteira), a segunda é de 1997 (ed. Ática) e a terceira é de 2009 (ed. Salamandra). Cada edição possui um ilustrador diferente, e as diferenças nas imagens são marcantes, chegando a influenciar na história. Eu particularmente gostei mais da edição de 1997 (cujas ilustrações uso aqui), mas sem desmerecer as outras.
            Segue uma pequena análise desse livro:


O livro é narrado na forma de um diálogo, com uma pessoa contando uma história a uma criança que faz várias interrupções, seja para comentar a história, seja para fazer perguntas (como pode ser visto na foto da primeira página, aqui ao lado), que é o que normalmente ocorre com crianças que ouvem uma história. Com uma linguagem muito coloquial, parecendo em alguns momentos que é um irmão mais velho contando a história ao irmão mais novo, esse livro retoma o caráter oral original dos contos de fadas, remetendo aos contadores de histórias.
            Ele é considerado uma narrativa questionadora, principalmente pelo questionamento dos costumes sociais. Por que a mulher tem que ser aquela que fica sempre em casa fazendo coisas delicadas? Essa visão era muito difundida há um tempo atrás, e mesmo hoje ainda é possível encontrar algumas pessoas que pensem assim. Esse livro mostra a inversão dessa convenção social, a princesa aceita pacientemente seu destino por um tempo até que se revolta e impõe sua vontade, que vai contra a vontade de seus pais, que tentam convencê-la inutilmente, e no fim ela consegue ter a vida que escolheu. Com isso, essa narrativa faz um questionamento do papel social das mulheres, e da divisão de gêneros criada pela sociedade. A princesa inverte seu papel social e vai contra o que todos esperam dela ao decidir seguir o rumo do irmão, o que causa um espanto na sociedade.
Por isso a autora diz no começo que ele não é um conto de fadas. Os contos de fadas tradicionais eram usados não apenas para diversão mas para ensinar valores, principalmente sociais, como por exemplo para mostrar às crianças a importância da obediência aos pais e o cumprimento das regras da sociedade. Na grande maioria dessas histórias temos a princesa, ou a garota pobre, que um dia encontra o seu príncipe encantado (ou, na verdade, é por ele encontrada), os dois se casam e são felizes para sempre. Apesar desse livro possuir muitos elementos que poderiam classificá-lo como conto de fadas, ele não o é, justamente pela reviravolta que há no final da história. Além disso, os contos de fadas parecem ser rejeitados não só pela autora como também por algumas crianças, como o garoto que ouve essa história e exclama: “Outra história de príncipe e princesa? Puxa vida! Não há quem agüente mais essas histórias!”.


A história também apresenta muita intertextualidade, seja com os contos de fadas em geral, pela história comum e pelas referências europeias presentes (por exemplo, a princesa era loira de olhos azuis), seja com um conto específico, como o de Rapunzel, pois a princesa, assim como Rapunzel, deixa o cabelo crescer para que os príncipes subam pelas suas tranças.
A princesa, após a sua "transformação"
Quanto às referências europeias, elas estão presentes no livro até certo ponto, a partir do qual há uma inversão. A princesa se transforma, adotando um visual da “Africolândia”, e há também referências à cultura brasileira, como no momento em que o rei tenta convencer a filha a falar com os príncipes e são citados vatapá, sarapatel e caruru.
Em outro momento, a autora se utiliza da ironia para fazer uma crítica aos escritores que abusam de palavras muito difíceis (que às vezes nem são usadas) apenas para parecerem cultos, como pode ser observado no seguinte trecho:

 [...] a voz da princesa era maviosa.
- Maviosa?
-É, maviosa, melodiosa! Eu sei que essa palavra não se usa mais, mas se eu não usar umas palavras bonitas, meio difíceis, vão ficar dizendo que eu não incentivo a cultura dos leitores.

            Com tudo isso Ruth Rocha consegue criar uma história que questiona de forma divertida os valores e as imposições da sociedade.


Um pouco sobre a autora

Ruth Rocha é uma grande e famosa escritora infantil. Nasceu em 1931, é graduada em Sociologia e Política e pós-graduada em Orientação Educacional e tem mais de 130 títulos publicados, e suas histórias foram traduzidas para mais de 25 idiomas.
Ela ganhou os mais importantes prêmios brasileiros destinados à literatura infantil da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, da Câmara Brasileira do Livro, cinco Prêmios “Jabuti”, da Associação Paulista de Críticos de Arte e da Academia Brasileira de Letras, Prêmio João de Barro, da Prefeitura de Belo Horizonte, entre outros.
Mais sobre ela em: http://www2.uol.com.br/ruthrocha/  (nesse site é possível ler a história de Procurando Firme na íntegra”.

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